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domingo, 26 de janeiro de 2014

Descubra as mentiras que o seu cérebro conta para você / Hipnose

Você não toma as próprias decisões - e boa parte do que vê não é real. É apenas uma ilusão criada pelo seu cérebro, que passa pelo menos 4 horas por dia enganando você. Conheça os truques que ele aplica - e saiba o que realmente acontece dentro da mente.


por Alexandre de Santi; Colaboradores: Bianca Carneiro e Cristine Kist
Você fica cego 4 horas por dia. Já foi enganado por um rótulo nesta semana. Tem preconceitos sobre todos os assuntos (por mais que ache que não). Toma decisões irracionais, que vão contra os seus interesses. Você não está no controle da própria mente. Mas não se preocupe: você é normal. Não é maluco e possui um cérebro perfeito, como o de qualquer outra pessoa. Só que ele inventa coisas para iludir você. Não é por mal. É só uma maneira de economizar energia.

O cérebro humano é o objeto mais complexo do Universo. Tem 100 bilhões de neurônios, que podem formar 100 trilhões de conexões. Se fosse possível criar um computador com o mesmo número de circuitos do cérebro, ele consumiria uma quantidade absurda de eletricidade: 60 milhões de watts por hora, segundo uma estimativa de cientistas da Universidade Stanford. É o equivalente a quatro usinas de Itaipu trabalhando simultaneamente. Mas o cérebro humano gasta pouquíssima energia - 20 watts, menos que uma lâmpada. E mesmo assim consegue fazer coisas extremamente sofisticadas, de que nenhum computador é capaz.

Só que isso tem um preço. O seu cérebro não consegue analisar as situações de forma completamente racional, avaliando todas as variáveis envolvidas em cada caso. Para fazer isso, ele precisaria de ainda mais circuitos - e muito mais energia. Mas, ao longo da evolução, a natureza encontrou uma solução: o cérebro pode mentir para seu dono. Sim, mentir. Descartar informações, manipular raciocínios e até inventar coisas que não existem. Dessa forma, é possível simplificar a realidade - e reduzir drasticamente o nível de processamento exigido dos neurônios. "São efeitos colaterais do funcionamento normal do cérebro", diz Suzana Herculano-Houzel, neurocientista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Tudo começa pela visão. Você não percebe, mas o cérebro edita o que você vê. Das 16 horas por dia que uma pessoa passa acordada, em média, 4 horas são preenchidas por imagens "artificiais" - que não foram captadas pelos olhos, e sim criadas pelo cérebro.

O olho humano só capta imagens com clareza em uma pequena parte, a fóvea, que tem 1 milímetro de diâmetro e fica no centro da retina. Então, para compor a linda imagem que você está vendo agora, os seus olhos estão constantemente em movimento. Eles focam determinado ponto e depois pulam para o ponto seguinte. Cada um desses saltos tem duração de 0,2 segundo. Quer comprovar isso na prática? Na próxima vez em que você estiver conversando com uma pessoa, preste atenção nos olhos dela. Você irá perceber que eles se movimentam o tempo todo para escanear vários pontos do seu rosto.

O problema é que a cada pulo desses, enquanto os olhos estão se movendo para a próxima posição, o cérebro deixa de receber informação visual por 0,1 segundo. Durante esse tempo, você está cego. E, como nossos olhos fazem pelo menos 150 mil pulos todos os dias, o resultado são 4 horas diárias de cegueira involuntária. Você não percebe isso porque o cérebro preenche esses momentos com imagens artificiais, que dão a sensação de movimento contínuo. Mas que, na prática, você não viu.

Tem mais: o que você enxerga não é o que está acontecendo - e sim o que vai acontecer no futuro. É sério. Isso acontece porque a informação captada pelos olhos não é processada imediatamente. Ela tem de passar pelo nervo óptico e só depois chega ao cérebro. O processo leva frações de segundo, e você não pode esperar - um atraso na visão pode fazer com que você seja atropelado ao atravessar a rua, por exemplo. Então, o que faz o cérebro? Inventa. Analisa os movimentos de todas as coisas e fabrica uma imagem que não é real, contendo a posição em que cada coisa deverá estar 0,2 segundo no futuro. Você não vê o que está acontecendo agora, e sim uma estimativa do que irá acontecer daqui a 0,2 segundo.

As mentiras invadem a razão
Com R$ 1,10, você pode comprar um café e uma bala. O café custa R$ 1 a mais do que a bala. Quanto custa a bala? Responda rápido. Dez centavos, certo? Errado. Você acaba de ser enganado pelo próprio cérebro. Mas não está sozinho - mais da metade dos estudantes de universidades prestigiadas como Harvard, MIT e Princeton responderam a essa mesma pergunta e também erraram (entre alunos de instituições menos badaladas, o índice de erro é ainda maior, cerca de 80%). Essa charada é um dos exemplos citados no livro Thinking, Fast and Slow (Pensando, Rápido e Devagar, ainda sem versão em português), do psicólogo israelense Daniel Kahneman, que ganhou o Prêmio Nobel de Economia por suas pesquisas sobre o comportamento humano.

Para Kahneman, o cérebro tem dois tipos de pensamento. O primeiro é rápido e intuitivo e confia na experiência, na memória e nos sentimentos para tomar decisões. O segundo é lento e analítico - e serve como uma espécie de guardião do primeiro.

Se estamos decidindo sobre o que comer, podemos ficar em dúvida entre um sanduíche e um prato de feijão. Mas por que essas duas opções, justo elas, surgiram como as alternativas válidas para o momento? Por que você não considerou um bacalhau com batatas? Por que não um sorvete de abacaxi? Porque o seu pensamento intuitivo já estava inclinado para optar pelo sanduba ou pelo feijão e restringiu previamente as escolhas antes mesmo que você se desse conta de que estava chegando a hora de almoçar. Do contrário, passaríamos horas avaliando todas as possíveis opções de refeição - e morreríamos de fome. Se o pensamento intuitivo não existisse, seria extremamente difícil escolher uma roupa ou responder a perguntas banais, do tipo "como você está?" ou "gostou do filme?". De certa forma, o pensamento intuitivo é o que nos diferencia dos robôs. E é ele que permite ao cérebro processar informações na velocidade necessária. "Ele é mais influente. É o autor secreto de muitas decisões e julgamentos que você faz", explica Kahneman no livro. Foi o pensamento intuitivo que apontou os dez centavos como resposta para o enigma do café. Só que ele mentiu para você. A resposta certa é R$ 0,05. Se a bala custasse R$ 0,10, o café custaria R$ 1,10 - e o total daria R$ 1,20.

Esse duelo entre os dois tipos de pensamento, o rápido-intuitivo e o lento-analítico, também tem uma explicação evolutiva. O córtex pré-frontal, região do cérebro responsável pelo processamento lógico, surgiu relativamente tarde na evolução da espécie humana - já as emoções e os instintos estavam com nossos ancestrais há muito mais tempo. Por isso elas são tão fortes e nos influenciam tanto. "A filosofia considera o ser humano um animal racional. Mas o que sabemos é que apenas em certas circunstâncias e à custa de muito esforço conseguimos ser racionais", afirma Vitor Haase, médico e professor de psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O pensamento intuitivo está sempre presente, até nas situações em que a racionalidade é supremamente importante. Um estudo de pesquisadores das universidades de Ben Gurion, em Israel, e Columbia, nos EUA, analisou o comportamento de juízes que deveriam decidir sobre a liberdade condicional de presos (um processo rápido, que leva 6 minutos). Em média, somente 35% dos condenados ganhavam a condicional. Mas os cientistas perceberam que os juízes eram muito mais benevolentes depois de comer. Quando eles tinham acabado de fazer uma refeição, a taxa de aprovação subia para 65%. Com o passar do tempo, a fome vinha chegando, e a concessão de liberdade condicional ia caindo. Minutos antes do próximo lanche, o índice de aprovação era quase zero.

Decidir sobre liberdade condicional e julgar a própria felicidade são tarefas complexas. Para avaliar todas as variáveis envolvidas, muitas delas subjetivas, o cérebro tenderia a ficar sobrecarregado. Por isso, ele usa atalhos. "Os nossos problemas são resolvidos no piloto automático, através de soluções que a cultura já embutiu no nosso cérebro", diz Haase.

Estudos têm revelado outra distorção: toda pessoa sempre tende ao otimismo, mesmo quando não há motivos para isso. A pesquisadora Tali Sharot, da University College London, gravou a atividade cerebral de voluntários enquanto eles imaginavam situações banais - como tirar uma carteira de identidade. Ela também pediu que os voluntários pensassem em coisas do passado. Os testes mostraram que as mesmas estruturas cerebrais são ativadas para recordar o passado e imaginar o futuro. Só que, ao imaginar o futuro, os voluntários criavam cenários magníficos - era o cérebro tentando colorir os eventos sem graça. "Cerca de 80% das pessoas têm tendência ao otimismo, algumas mais do que outras", diz ela. Para Tali, autora do livro Optimism Bias (O Viés do Otimismo, ainda sem versão em português), o otimismo é sempre mais comum que o pessimismo - seja qual for a faixa etária ou o grupo socioeconômico da pessoa. Assim, nunca acreditamos que algo vá dar errado - mesmo quando o mais racional seria pensar que sim. "As taxas de divórcio, por exemplo, chegam a 40%, 50%. Mas as pessoas que estão para casar sempre estimam suas chances de separação em o%", exemplifica Tali. Segundo ela, a inclinação natural ao otimismo também é um dos fatores que levaram à crise econômica global de 2008. "As pessoas achavam que o mercado continuaria subindo cada vez mais e ignoraram as evidências contrárias", afirma.

Ele está no controle
As manipulações criadas pelo cérebro afetam até a capacidade mais essencial do ser humano: tomar as próprias decisões. Quando você decide alguma coisa, na verdade o cérebro já decidiu - com uma antecedência que pode chegar a 10 segundos. Uma experiência feita no Centro Bernstein de Neurociência Computacional, em Berlim, comprovou que as nossas escolhas são resolvidas pelo cérebro antes mesmo de chegarem à consciência. Voluntários foram colocados em frente a uma tela na qual era exibida uma sequência aleatória de letras. O voluntário tinha que escolher uma das letras e apertar um botão sempre que ela aparecesse. Os cientistas monitoraram o cérebro dos participantes durante o experimento. E chegaram a uma descoberta impressionante: 10 segundos antes de os voluntários escolherem uma letra, sinais elétricos correspondentes a essa decisão já apareciam nos córtices frontopolar e medial, as regiões do cérebro ligadas à tomada de decisões. Cinco segundos antes de o voluntário apertar o botão, o cérebro ativava os córtices motores, que controlam os movimentos do corpo. Isso significa que, 10 segundos antes de você fazer conscientemente uma escolha, o seu cérebro já tomou a decisão para você - e até já começou a mexer a sua mão.

"O indivíduo não é livre para escolher", afirma Renato Zamora Flores, professor de genética do comportamento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O cérebro restringe previamente as suas possíveis opções e, pior ainda, escolhe uma delas antes mesmo que você se dê conta. É possível lutar contra isso. Lembra-se daquele outro tipo de pensamento, o lento-analítico? Basta colocá-lo em ação. E isso você consegue tendo calma, refletindo sobre as coisas e duvidando das suas escolhas e opiniões. Os truques do cérebro são poderosos, mas não invencíveis. Agora que você sabe como funcionam, está muito mais preparado para lidar com eles - e se tornar realmente livre para tomar as próprias decisões.
Fonte: http://super.abril.com.br/ciencia/descubra-mentiras-seu-cerebro-conta-voce-690379.shtml?utm_source=redesabril_jovem&utm_medium=facebook&utm_campaign=redesabril_super

Hipnose

CIÊNCIA

Hipnose



Sim, ela realmente existe. E não é fraude, truque nem coisa de gente impressionável. Veja como a hipnose consegue mexer com as estruturas mais profundas da mente humana

por Bruno Garattoni e Fabio Marton
Quando o hipnólogo Fabio Puentes chegou à redação da SUPER, foi recebido com uma mistura de receio e descrédito. Talvez você o conheça: ele é aquele homem de sotaque portenho (na verdade, uruguaio) que costuma aparecer em programas de TV hipnotizando as pessoas - e às vezes sujeitando-as a situações constrangedoras. Nenhum de nós queria ser forçado a imitar uma galinha, daí o receio. Mas poucos acreditavam que Puentes tivesse mesmo algum poder, e argumentos como "isso não passa de armação" e "só faz efeito em gente de cabeça fraca" dominavam as conversas. Mas uma hora depois, o clima era completamente diferente. Puentes não conseguiu transformar ninguém em zumbi. Mas fez pessoas levantar 25 quilos com apenas dois dedos, paralisou o braço do designer Gabriel Gianordoli e colou as mãos do nosso redator-chefe - pessoas absolutamente céticas, nada impressionáveis. E a redação cheia de incrédulos foi obrigada a admitir o que a ciência está começando a aceitar: a hipnose realmente existe, não é mágica nem truque e vai além do simples ato de sugestionar os outros. É um fenômeno neurológico, que acontece bem no meio do cérebro e é capaz de alterar o estado normal das pessoas. Mas como ela funciona? E até que ponto pode ser usada para dominar a cabeça dos outros - e controlar melhor a sua própria mente?

A hipnose começou a ser praticada no século 18, quando o médico alemão Franz Anton Mesmer defendeu sua tese de doutorado na Universidade de Viena. Mesmer propunha uma ideia estapafúrdia: a atração gravitacional entre a Terra e outros corpos celestes afetava a saúde das pessoas, sendo responsável por vários tipos de doença mental. Por incrível que pareça, a tese foi aceita e Mesmer recebeu o diploma em 1766. Como desgraça nunca vem sozinha, logo ele começou a acreditar em outra besteira - o corpo humano estava cheio de fluidos magnéticos, cujo desequilíbrio era nocivo e deveria ser corrigido. No tratamento, o paciente ficava sentado numa cadeira enquanto Mesmer olhava em seus olhos, pedia que se concentrasse ou tocava em seus braços e mãos - técnicas similares às da hipnose moderna.

Em 1778, depois que não conseguiu curar uma pianista acometida de cegueira nervosa, Mesmer foi expulso de Viena e se instalou em Paris. Mais ousado, ele passou a andar vestido de violeta e a usar uma varinha de condão (objeto que ele inventou). Sua clínica foi o maior sucesso, e em 1784 o rei Luis 16 formou uma comissão de cientistas notáveis, que incluía Antoine Lavoisier e Benjamin Franklin, para estudar os poderes de Mesmer. Eles concluíram que se tratava de um charlatão (a teoria dos fluidos magnéticos, claro, era pura bobagem), mas que tinha alguns poderes: ele representava um perigo para a sociedade, porque supostamente era capaz de "mesmerizar" - palavra que se tornou um sinônimo de enfeitiçar - as pessoas contra a vontade delas.

As técnicas de Mesmer foram proibidas, e a hipnose começou a se transformar em show circense. Mas alguns discípulos continuaram a acreditar na sua eficácia como tratamento. Um deles era o médico escocês James Braid. Em 1843, ele resolveu trocar o nome da mesmerização para torná-la mais aceitável. E cunhou o termo "hipnose" - que vem de Hypnos, a deusa grega do sono. Braid adotou uma abordagem mais científica, e a partir daí a hipnose passou a ser estudada por gente mais séria - como o francês Jean-Martin Charcot (1825-1893), considerado o pai da neurologia, o psicólogo russo Ivan Pavlov (1849-1936) e o próprio Freud, que chegou a hipnotizar seus pacientes no começo da carreira.

Mesmo assim, a hipnose só começou a ser aceita pela ciência em 1997, quando o psiquiatra americano Henry Szechtman fez uma experiência com 8 voluntários. Eles foram vendados e ouviram uma gravação que repetia a seguinte frase: "O homem não fala muito. Mas, quando ele fala, vale a pena ouvir o que diz". Szechtman desligou o som e pediu aos voluntários que tentassem imaginar a frase. Em seguida, hipnotizou todo mundo e disse que iria tocar a fita novamente. Era mentira; não havia som nenhum. Mesmo assim, os voluntários disseram ter ouvido a gravação - eles sofreram uma alucinação auditiva por causa da hipnose. Monitorando o cérebro dos voluntários, o cientista descobriu o seguinte. Durante a alucinação e quando a gravação estava tocando de verdade, a atividade do cérebro era idêntica. Já quando as pessoas apenas imaginavam o som, a atividade era diferente. Outros estudos comprovaram esse efeito, e permitiram chegar a uma conclusão definitiva: a hipnose existe, não é fingimento e tem um efeito característico sobre o cérebro - é uma simulação perfeita da realidade, muito mais forte que a imaginação ou a autossugestão. Uma pessoa hipnotizada pode literalmente ver, ouvir e sentir o que é sugerido pelo hipnotizador. Mas como isso acontece?


Homem x réptil

A resposta começou a aparecer num teste feito pelo neurocientista Pierre Rainville, da Universidade de Montreal. Ele pediu que voluntários mergulhassem a mão em tigelas com água muito quente (a 47 oC). Como estavam hipnotizadas, as cobaias não sentiam dor. Rainville observou o cérebro daquelas pessoas e descobriu algo estranho. O sistema límbico, que é um pedaço primitivo do cérebro que nós herdamos dos répteis e processa os sinais que vêm do corpo, como a dor, estava operando normalmente. Mas o neocórtex, uma região cerebral que só existe nos mamíferos avançados e é responsável pela nossa consciência, ignorava os sinais do sistema límbico. É como se, durante a hipnose, o "cérebro humano" parasse de se comunicar com o "cérebro reptiliano".

É por isso que a hipnose tem efeitos tão profundos. A pessoa não fica dormindo. Fica acordada, consciente e sabendo que está sendo hipnotizada. A diferença é que, como o neocórtex é privado das informações fornecidas pelo sistema límbico (que além de processar a dor também controla a memória e reações como desconfiança, vergonha, medo, fome, iniciativa, prazer e desejo sexual), a consciência fica sem reservas nem referências - e, por isso, totalmente vulnerável às sugestões do hipnotizador.

Esse poder pode servir para obrigar uma pessoa a imitar uma galinha, mas também tem uso terapêutico. O Conselho Federal de Odontologia acaba de regulamentar o uso da hipnose - os dentistas que fizerem um curso especial, de 180 horas, poderão utilizá-la como complemento da anestesia. E o Conselho Federal de Medicina já reconhece a hipnose como ferramenta no tratamento de dores crônicas (o Hospital das Clínicas, em São Paulo, oferece a hipnoterapia como opção para tratar as dores de pacientes de câncer) e em várias formas de psicoterapia - há estudos comprovando que ela é eficaz contra o tabagismo, a ansiedade, a depressão e outros transtornos psíquicos. Pesquisas recentes também constataram, de maneira surpreendente, efeitos fisiológicos da hipnose: há indícios de que possa ajudar no tratamento de hipertensão e de problemas gastrointestinais e no sistema imunológico. Tudo isso depende, claro, do seu grau de sensibilidade. Por que algumas pessoas podem ser completamente tomadas pela hipnose, enquanto outras são imunes a ela? E como técnicas tão banais, como balançar um reloginho na frente de uma pessoa, podem ter tanta força sobre a mente?


Você é hipnotizável?


A hipnose é muito mais comum do que se imagina. Você já deve ter se auto-hipnotizado milhares de vezes e nem percebeu. Um exemplo: sabe quando você está indo para algum lugar, mas acaba se distraindo com os próprios pensamentos e ao chegar nem se lembra do caminho que fez? É uma forma fraquinha de hipnose. "O estado hipnótico é parecido com o que acontece quando você fica absorto, lendo um livro ou vendo um filme", afirma o psiquiatra e especialista em hipnose David Spiegel, da Universidade Stanford. É um estado de grande atenção, em que o cérebro foca em uma coisa e se desliga do resto. Mas não tem nada de extraordinário; é um mecanismo que faz parte do funcionamento normal do cérebro.

Existem vários métodos de hipnotizar (veja no quadro ao lado), mas todos seguem a mesma lógica. Tanto faz se o hipnólogo balança um objeto ou diz palavras suaves - o que conta é prender a atenção da pessoa e reduzir seu grau de inibição. Se essas duas condições forem atendidas, pronto: você conseguiu calar o sistema límbico e cativar o neocórtex, e a pessoa está hipnotizada. "O que você diz para hipnotizar a pessoa não é tão importante. O que importa é o seu jeito, o seu tom de voz", ensina Fabio Puentes.

Para o psicólogo americano Michael Nash, autor de dezenas de estudos sobre hipnose e organizador do maior livro sobre o assunto, o Oxford Handbook of Hypnosis, nossa suscetibilidade à hipnose pode ser obra da seleção natural. Ao longo da evolução da humanidade, em que as situações de dor eram muito mais comuns do que hoje (a anestesia como a conhecemos só foi inventada no século 19), quem tinha mais capacidade de ignorar o próprio sistema límbico e suportar o sofrimento físico levou vantagem na vida. Viveu mais e gerou mais descendentes, que foram espalhando essa característica pela humanidade. É por isso que, hoje, 80% da população mundial é hipnotizável em algum grau. Mas como medir o grau de sensibilidade à hipnose? Os métodos mais famosos são a Escala Grupal de Harvard, criada em 1962, e a Escala Stanford, de 1959. Este último, individual, é o mais usado pelos pesquisadores. Consiste num teste de mais ou menos 50 minutos, com 3 sessões de 12 exercícios que testam habilidades hipnóticas cada vez mais difíceis - como regressar mentalmente à infância, ficar sem poder abrir os olhos, obedecer a uma sugestão pós-hipnótica (pular da cadeira sempre que ouvir determinado som, por exemplo), tornar-se incapaz de sentir odores fortes e desagradáveis, e o exercício mais difícil de todos, esquecer tudo o que aconteceu durante a sessão. Esses testes foram aplicados em milhares de pessoas, ao longo de várias décadas, e descobriram várias coisas. A sensibilidade à hipnose se mantém estável durante a vida (é a mesma na infância, na idade adulta e na velhice), não tem relação com o sexo, a escolaridade ou a inteligência das pessoas. E é hereditária.

Existe um teste rápido que você mesmo pode fazer. Leia a frase a seguir: "Quando o carro vermelho buzinou, o cachorro preto latiu e chegou ao portão da casa amarela". Agora feche os olhos e responda: quais são as cores das palavras desta frase? Não estou perguntando os nomes escritos; quero saber as cores da tinta que usamos para imprimir as palavras em destaque. Se o seu cérebro é um pouco hipnotizável, como o de 80% das pessoas, você terá alguma dificuldade para responder - porque sua mente aprendeu e sabe, instintivamente, que o significado das palavras é mais importante que a cor delas. Já se você for extremamente hipnotizável, como 15% da população, respondeu no ato e sem problemas.

Isso se deve a uma diferença estrutural no cérebro. Pesquisas feitas na Universidade de Virgínia, nos EUA, revelaram que o cérebro das pessoas altamente hipnotizáveis possui duas características marcantes. É mais assimétrico - a divisão de tarefas entre os dois hemisférios do cérebro é mais intensa do que em pessoas comuns. E seu corpo caloso, estrutura que conecta o hemisfério esquerdo ao direito, é em média 31,8% maior. Os cientistas especulam que a superconexão faça as informações fluir mais facilmente dentro do neocórtex (que se divide entre os dois hemisférios do cérebro). E por isso o cérebro tenha maior facilidade em suprimir, ou ignorar, a atuação do sistema límbico.


O lado perigoso da hipnose

No filme Sob o Domínio do Mal ("The Manchurian Candidate", 1962), Frank Sinatra faz o papel de um major americano que é hipnotizado pelos comunistas para matar o presidente dos EUA quando ouvir um sinal por telefone. Isso é possível? Mais ou menos. A sugestão pós-hipnótica realmente existe - é possível programar o cérebro de pessoas altamente suscetíveis. Mas só com instruções muito simples (pular ao ouvir um sinal). Ela não funciona com ordens complexas, que envolvam várias etapas de raciocínio ou sejam contra a índole do indivíduo; se a pessoa normalmente não mataria o presidente, não irá fazê-lo sob hipnose. Além disso, é possível resistir à sugestão pós-hipnótica, que costuma desaparecer após alguns minutos (em casos extremos, alguns dias). Ou seja: ao contrário da crença popular, uma pessoa hipnotizada não vira um robô nem fica em transe para sempre se o hipnotizador sumir. Isso não quer dizer que os hipnotizados não possam ser induzidos a fazer coisas que não querem (ou não existiria o truque de fazê-los comer cebola achando que é maçã).

Também é possível hipnotizar as pessoas mais sensíveis contra a vontade delas, usando truques para pegá-las de surpresa. O psiquiatra americano Milton Erickson costumava dominar seus pacientes com um simples aperto de mão. Ele massageava o pulso do paciente, que ia ficando relaxado e sem reação. Seja como for, não é preciso ter medo. Mesmo se você for altamente sensível, basta ficar longe dos hipnotizadores ou não prestar atenção neles. Afinal, hipnose é um estado extremo de atenção. Se você não presta atenção, não pode ser hipnotizado. Também não há evidências de que a hipnose cause qualquer dano. Ela só tem um risco: pode induzir falsas memórias.

É isso aí. Ir a um terapeuta, sentar-se no divã e fazer hipnose com o objetivo de acessar memórias reprimidas é bastante perigoso. Como desconecta o sistema límbico, que é o responsável pela formação e manutenção das memórias, a hipnose realmente pode levar a falsas lembranças. Se um terapeuta estiver convencido de que um paciente sofreu abuso na infância, por exemplo, pode hipnotizá-lo para que ele tente se recordar do fato - e acabar implantando sem querer (ou de propósito) a memória de uma coisa que nunca aconteceu. Isso começou a ficar evidente nos anos 90, quando uma série de casos foram parar na Justiça dos EUA. Depois da hipnose, elas passaram a se lembrar de acontecimentos medonhos, como abuso sexual e rituais satânicos, que na verdade jamais tinham ocorrido. Isso causou um grande escândalo, e levou a Universidade de Washington a fazer uma série de estudos impressionantes sobre o assunto.

Os pesquisadores descobriram que, sob hipnose, 70% das pessoas ficam receptivas a falsas memórias. E as terapias que prometem acessar memórias reprimidas são muito nocivas: fazem com que os pacientes corram maior risco de perder o emprego e a vida social e tenham até 500% mais possibilidade de ir parar num hospital psiquiátrico. Por isso, hoje esse tratamento é desaconselhado pela Associação Médica Americana. Se você for fazer algum tipo de hipnose, evite técnicas e exercícios que mexam com a memória. Tirando isso, não há problema. A hipnose é uma ferramenta poderosa, que já vem embutida no cérebro e pode ser usada de maneira positiva. O pior que pode acontecer é ela não funcionar com você. Mas calma... você é pelo menos um pouquinho hipnotizável, não é? Relaxe, feche os olhos, respire. Sua cabeça está ficando pesada. Pesada e cansaaada...


Olhe para cá!
E antes de começar a ler a reportagem, siga estes passos para se auto-hipnotizar

1. Pare
Vá para um lugar bem silencioso (ou coloque fones de ouvido tocando uma trilha sonora bem suave, new age mesmo). Sente-se da forma mais confortável possível e mantenha as pernas e os braços separados. Descanse alguns minutos.

2. ImagineAgora imagine que você está dentro de um barquinho, num lago bem tranquilo. Sinta como o barquinho balança devagar e agradavelmente. Para a frente, para a direita, para trás, para a esquerda...

3. SintaUma enorme preguiça toma conta da sua perna esquerda. Pense: "Minha perna esquerda está ficando pesada, cada vez mais pesaada e cansada". Mentalize por alguns minutos - até sentir que a sua perna realmente ficou semiparalisada.

4. Renda-seAgora é a perna direita que está ficando pesada. Cada vez mais pesaada e cansada... Repita o processo com ela e com os braços, primeiro o direito e depois o esquerdo, até que todos os seus membros fiquem dormentes.

5. InduzaA esta altura, você deve estar respirando bem devagar e sentindo um relaxamento profundo. Parabéns! É o estado de indução hipnótica. Agora mentalize um objetivo simples (como "vou comer menos" ou "não sentirei mais vontade de fumar").

6. DesperteDepois de repetir a mentalização por alguns minutos, pare e diga a si próprio que a hipnose acabou. Vá despertando sem pressa, até voltar ao normal. Você sentirá sonolência e leve desorientação, como quem acaba de acordar.


As portas da percepção Os 5 métodos mais usados para hipnotizar

Fixação de olhosÉ o clássico método do reloginho, e foi criado por James Braid - o inventor da palavra "hipnose". O hipnotizador pede ao paciente que se concentre fixamente em algum objeto.

NarrativaConsiste em pedir ao paciente que relaxe membro a membro - após o que, num tom calmante, o hipnólogo o leva a imaginar uma história.

ConfusãoCriado para lidar com pessoas resistentes, consiste em iludir a pessoa com atos incomuns - como um aperto de mão que se prolonga e vira uma espécie de massagem.

Desequilíbrio
O hipnotizador diz ao paciente que se coloque numa posição na qual seja difícil se manter de pé. E ao mesmo tempo, pede que ele se concentre em seus membros.

ChoqueConsiste em simular uma hipnose comum, passando as mãos na cabeça da pessoa - mas de repente fazer um gesto brusco, jogando a cabeça para trás enquanto grita "durma"!


Isto aqui dá O que a hipnose realmente pode fazer

Anestesiar uma pessoa
Funciona. Em 1845, antes da popularização da anestesia, o médico escocês James Esdaile já usava a hipnose em cirurgias e amputações.

Curar tabagismo, compulsões e vícios em geral

Funciona. Mas o tratamento também deve ter terapia, e é preciso refazer periodicamente as sessões hipnóticas.

Implantar memórias

Funciona. Há casos de falsas memórias que acabaram na Justiça e começaram na atuação desastrada (ou maldosa) de hipnoterapeutas.

Sugestões pós-hipnóticas

Funciona. É possível condicionar uma pessoa para que ela reaja a certos sinais - como pular toda vez que ouvir determinado som, por exemplo.

Hipnotizar alguém à força
Funciona. Existem técnicas que permitem hipnotizar a vítima sem que ela perceba. Mas isso só dá certo se você dedicar atenção ao hipnotizador.


Isto não dá
Veja em que situações a hipnose não tem o menor efeito

Apagar memóriasNão funciona. Pessoas altamente hipnotizáveis podem se esquecer de acontecimentos, mas acabam se lembrando deles após algum tempo.

Acessar memórias reprimidasNão funciona. As supostas lembranças (que no Texas são aceitas como prova judicial) são contaminadas pela imaginação.

Hipnotizar bichosNão funciona. Hipnose é um fenômeno da parte mais moderna do cérebro humano. O que acontece com animais é apenas catatonia (paralisia).

Controle da menteNão funciona. Mesmo pessoas altamente hipnotizáveis não se tornam zumbis. E a hipnose cessa após alguns minutos (ou quando o hipnólogo vai embora).

Regressão a vidas passadas
Não funciona. Mesmo porque a ciência não acredita em reencarnação.

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