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quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Céticos: Os inquisidores da razão



Eles declararam guerra a astrólogos, religiosos, ufologistas, tarólogos, curandeiros e místicos em geralMaurício Tuffani




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A palavra preferida deles é "desmascarar". Seus alvos prediletos são o misticismo, as seitas religiosas, as teorias mal fundamentadas e a imprensa sensacionalista. Para eles, a ciência e a razão são as principais armas a serem usadas nesse combate. Sua atuação inquisitorial parece ser uma vingança contra o autoritarismo e a opressão das religiões que, mesmo com o fim da temível Inquisição, ainda hoje sobrevivem até nas sociedades mais avançadas. Fazem parte desse time cidadãos comuns e também cientistas famosos, como o inglêsRichard Dawkins, autor de O Gene Egoísta, e ganhadores do Prêmio Nobel, como os norte-americanos Steven Weinberg e Murray Gell-Mann. Para eles, a sociedade precisa ser constantemente alertada sobre doutrinas, crenças e teorias que possam ser prejudiciais para a saúde, a economia e a liberdade. Inflexíveis na aplicação de seus princípios, eles não poderiam deixar de ser profundamente respeitados ou odiados. Eles são os céticos.


O astrônomo norte-americano Carl Sagan (1934-1996) tornou-se uma celebridade no fim dos anos 70 como autor e apresentador da série Cosmos, levada pela TV para o mundo todo. Muitos dos telespectadores se chocaram com o ateísmo do cientista, esboçado na série, mas cada vez mais claro em livros, como O Mundo Assombrado pelos Demônios. Sagan não combatia a fé, mas preocupava-se com as interferências religiosas prejudiciais à ciência. Nos EUA, por exemplo, diversas seitas são contrárias ao ensino de teorias como a da seleção natural de Darwin. Os criacionistas (como são chamados os que crêem que a evolução se deu por obra de Deus) foram criticados em obras como O Relojoeiro Cego e A Escalada do Monte Improvável,de Dawkins, da Universidade Oxford, na Inglaterra.



Organizados em associações, os céticos trocam informações e realizam um rigoroso trabalho de vigilância. A mais famosa dessas entidades é o CSICOP (sigla em inglês para Comitê para Investigação Científica de Alegações de Paranormalidade), presidida pelo norte-americano Paul Kurtz.
Outra entidade, a JREF (Fundação Educacional James Randi), sediada em Fort Lauderdale, na Flórida (EUA) oferece um milhão de dólares para quem conseguir provar, sob verificação científica, supostas capacidades paranormais, como a telecinese (comando pela mente da movimentação de objetos a distância).O mágico James Randi, fundador da JREF, acusou diversas vezes de fraude o israelense Uri Geller, que visitou vários países nos anos 70, inclusive o Brasil, para fazer demonstrações de deformações de talheres e de outros objetos metálicos. Geller processou o acusador na Justiça, mas perdeu.
Em 1988, Randi provou que o francês Émile Benveniste cometera fraude em uma pesquisa publicada na revista científica inglesa Nature sobre a "memória da água", a suposta propriedade que ela teria de assimilar características de outras substâncias com as quais é posta em contacto. Isso provaria a eficácia das diluições empregadas para fazer drogas homeopáticas. A atuação de Randi estimulou o aumento de ataques céticos contra a homeopatia e as terapias alternativas.
Fraude "marciana"

CSICOP vigiou permanentemente uma das mais badaladas mistificações das últimas décadas: a crença de que na superfície de Marte havia uma estrutura semelhante a um rosto humano construída por extraterrestres. O assunto é o tema de capa de uma recente edição da revista Skeptical Inquirer (Inquisidor Cético), editada há 12 anos pelo CSICOP.
A "Face de Cydonia" seria uma construção de cerca de 600 metros de largura por 1.500 metros de comprimento na região marciana de Cydonia. Ela fazia parte de uma imagem enviada pela sonda Viking-1, que pousou em 1976 em Marte. Captada antes do pouso, a imagem foi divulgada pela Nasa como fruto da erosão na superfície do planeta. Mas, em 1980, ela foi alardeada como sendo uma obra de seres alienígenas por dois engenheiros, Gregory Molenar e Vincent di Pietro, que prestaram serviços de interpretação de dados para a agência espacial.
Ufologistas não tardaram em acusar a Nasa de esconder informações sobre vida inteligente em Marte. E o que é pior: pesquisadores de universidades dos EUA e de outros países embarcaram nessa onda conspiratória. A farsa só foi completamente desmascarada em abril de 1998, com base em dados da sonda Mars Global Surveyor, que naquele ano iniciou o mapeamento completo da superfície marciana. O que parecia um rosto humano nada mais era do que o resultado de "um jogo de luz e de sombras", segundo o Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa, em Pasadena, na Califórnia.
Além de expor suas idéias em livros e revistas especializadas, os céticos têm atuado na imprensa e na internet. No Brasil, desde 1998, o jornalista Ricardo Bonalume Neto mantém a coluna semanal "O Cético", na Revista da Folha, suplemento dominical do jornal Folha de S. Paulo. Debochado e ao mesmo tempo rigoroso, o jornalista já bombardeou em sua coluna a astrologia, a homeopatia, o Feng-shui e várias outras "picaretagens", como ele costuma dizer. Para contrabalançar seu ceticismo, a revista publica os textos de Bonalume ao lado da coluna "O Mago", do escritor Paulo Coelho, autor do best-seller Diário de um Mago. Eles nunca se criticaram em suas colunas, embora não haja restrição do jornal para isso, segundo o jornalista. "Ele tem mensagens positivas e não é fundamentalista. Prefiro criticar o que pode prejudicar a saúde e o bolso das pessoas", diz Bonalume referindo-se a Coelho.
A atitude do jornalista não é isolada entre os céticos atualmente. Muitos deles adotam critérios parecidos para priorizar suas ações. O site QuackWatch, por exemplo, que é dirigido pelo médico norte-americano Stephen Barret, tem como objetivos investigar alegações questionáveis na área da saúde, responder a perguntas, divulgar e distribuir publicações, relatar marketing ilegal, originar ações de proteção ao consumidor, melhorar a qualidade das informações na internet sobre saúde e combater propagandas enganosas sobre saúde na internet. O site tem versões em inglês, francês, alemão, espanhol e português.
Também presente na internet, o Fórum Cético Brasileiro tem priorizado o combate a curandeiros e charlatães, que dizem fazer curas com poderes ocultos, ervas milagrosas, remédios que nunca tiveram eficácia e segurança comprovadas etc. "Mesmo que na maioria das vezes essas chamadas terapias alternativas sejam inofensivas, elas podem afastar a pessoa de um tratamento médico eficaz, com conseqüências muitas vezes trágicas", diz Ronaldo Cordeiro, de Uberlândia (MG), coordenador da Comissão de Ciência da entidade. "Muito relacionado está o problema da propaganda enganosa, anúncios que iludem o consumidor e não cumprem o que prometem, desde pirâmides e cristais supostamente ‘energéticos’ e remédios para calvície até esquemas financeiros em que se promete ganhar dinheiro com pouco esforço", afirma Cordeiro, que também administra o site Dicionário Céptico, versão brasileira do The Skeptic’s Dictionary.
Progresso e sanidade
Para o biomédico Renato Sabbatini, de Campinas (SP), presidente da Sociedade Brasileira de Céticos e Racionalistas, o ceticismo deve contestar afirmações de qualquer natureza que sejam alegações sem fundamento aparente, conclusões precipitadas ou exageradas, baseadas em fraude ou má-fé evidente. "É importante, pois a sociedade moderna, para ter um mínimo de progresso e sanidade, deve refutar tudo que não seja demonstrável cientificamente", diz Sabbatini, que trabalha como professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) nas áreas de neurofisiologia e de informática médica.
Há poucos acessos ao pensamento crítico e científico fora dos bancos escolares, e mesmo lá, eles são deficientes, queixa-se Daniel Sottomaior, de São Paulo (SP), que atua em diversas entidades e está organizando o site Ceticismo e Ativismo. "Por isso, cabe ao cético popularizar a ciência, como faz Richard Dawkins e fazia Carl Sagan, por exemplo", diz Sottomaior. Outro que enfatiza a importância da divulgação científica é Renato Zamora Flores, de Porto Alegre (RS), membro da Sociedade da Terra Redonda e pesquisador do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. "Ciência e conhecimento para todos, nada de retórica e de discursos opacos com o objetivo de iludir pessoas", afirma.
Uma das concepções mais aceitas de ciência foi apresentada pelo filósofo austríaco Karl Popper (1902-1993), autor de A Lógica da Pesquisa. Segundo ele, uma teoria só é científica se seus enunciados são "falseáveis", isto é, passíveis de serem considerados falsos. (A afirmação "todo homem é mortal" não é falseável, pois não há a possibilidade lógica de constatar a imortalidade: mesmo que alguém chegue aos mil anos de idade, não dá para saber se vai ou não morrer). Outra exigência de Popper é que a teoria científica deve prever como acontecem os fenômenos. A lei da gravidade, por exemplo, afirma que dois corpos se atraem e define como se calcula a força de atração. Ela é falseável (pois basta um único exemplo contrário para ser considerada falsa) e aponta as condições em que ocorre a força de atração. Essa é, em linhas gerais, a noção vigente de ciência. Ela não admite as ciências humanas, como a economia e a história, nem, a rigor, a lógica e a matemática.
Concordando ou não com Popper, é com base nessa concepção que se define o limite entre ciência e pseudociência. "É a utilização do espírito crítico de Descartes, de passar tudo pelo crivo da lógica e da ciência", diz Cassy Beski, de São Paulo, do site Libertas. O filósofo e matemático francês René Descartes (1596-1650) foi o autor de Discurso do Método, em que aponta como "bem conduzir a razão e buscar a verdade nas ciências".
É na crítica ao cartesianismo que vem o ataque aos céticos. Nela se apóia o padre Oscar Quevedo, experiente desmascarador de curandeiros e de eventos sobrenaturais. Nascido em Madri, Espanha, ele dirige o CLAP (Centro Latino-americano de Parapsicologia), em São Paulo. Para ele, não existe comunicação entre mortos e vivos e curas milagrosas. Mas ele acredita em fenômenos paranormais, como telepatia, telecinese, precognição, levitação (somente do próprio corpo) e outros. Esses fenômenos, diz padre Quevedo, teriam origem em distúrbios psíquicos que devem ser curados, e não estimulados.
Galileu perguntou a Quevedo por que ele não participa de desafios como o de James Randi, que oferece 1 milhão de dólares. "O fenômeno parapsicológico é incontrolável, involuntário e inconsciente. Um dos grandes enganos da ciência é acreditar que toda a realidade seja controlável", respondeu. "O terror do irracional é irracional", diz o filósofo Olavo de Carvalho, polêmico colunista da revista Época. Segundo ele, todo o debate sobre o que é ciência está mal colocado. "Eu não creio na possibilidade de isolar completamente a crença da percepção, como faz Descartes. A proposta dele é inviável desde a primeira linha."





FONTE: http://galileu.globo.com/edic/116/rep_tendencias.htm

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