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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O ELOGIO DO ATEÍSMO

CARTA CAPITAL, 29-06-2005


Michel Onfray, um popular filósofo francês, vê nas religiões monoteístas um entrave à ciência, à ética e à política

Por Leneide Duarte-Plon, de Paris

Michel Onfray, 45 anos, veste-se com a displicência de um professor de filosofia que queria ser condutor de trem. Um dos mais populares filósofos franceses, ele não lembra, nem de longe, intelectuais de paletó e gravata e também não escreve para iniciados. Mas isso não quer dizer que seu texto seja raso. Seus livros têm qualidades literárias e tiragens de best sellers.

Por Leneide Duarte-Plon, de Paris


Ao ser recusado pela SNCF, a estatal dos trens, o jovem Michel foi fazer faculdade e descobriu a filosofia. Desde então, passou a
conviver diariamente com Kant, Nietzsche, Feuerbach e os filósofos da Grécia antiga. Depois de ensinar filosofia em um liceu durante 20 anos, Onfray criou com alguns colegas, em 2002, a Universidade Popular de Caen, na qual dá aulas para auditórios entusiasmados de mais de 200 pessoas, que seguem seu curso pelo simples prazer de descobrir o que é filosofar. A UPC não faz exames nem fornece diplomas.

Onfray define-se como um "materialista hedonista" que acha que o mundo vive hoje uma overdose de sagrado e de religião. A constatação da onipresença das religiões e do "caráter nefasto dos três monoteísmos na história da humanidade" levaram o filósofo a escrever o Tratado de Ateologia, que já vendeu mais de 170 mil exemplares em francês. Os direitos do livro já foram vendidos pela editora Grasset para oito países.

O Tratado de Ateologia, de quase 300 páginas, aponta o papel devastador das religiões na história da humanidade. "Olhar a história é suficiente para constatar a miséria e os rios de sangue que correram
em nome do Deus único", escreve Onfray, que vê nas religiões monoteístas um entrave ao progresso e ao desenvolvimento da ciência.

Seu livro investe contra Jesus Cristo – "uma fábula" criada por alguns judeus autores dos Evangelhos –, Paulo de Tarso, Moisés e Maomé num texto ágil, que pode ser resumido na expressão que ele mesmo usa: "Nem Bíblia nem Alcorão". Rabinos, imãs, padres e pastores são apontados como personagens retrógrados, responsáveis por perseguições, guerras e massacres de toda espécie, que Onfray se compraz em analisar. A esses religiosos, Michel Onfray contrapõe a figura do filósofo, que procura encarar, com a razão, a realidade da vida e da morte.

"Enquanto os homens tiverem de morrer, uma parte deles não poderá suportar esta idéia e criará subterfúgios. Não se assassina um subterfúgio, não se pode matá-lo. Ele é quem nos mata: Deus mata tudo
o que resiste a ele. Em primeiro lugar a Razão, a Inteligência, o Espírito Crítico. O resto vem por reação em cadeia..."

Em seu tratado, o hedonista Onfray revela-se um iconoclasta disposto a não deixar pedra sobre pedra do judaísmo, do cristianismo e do Islã.

CartaCapital: Por que o senhor escreveu o Tratado de Ateologia?
Michel Onfray: Por incrível que pareça, decidi escrever esse livro num estúdio de televisão, enquanto falava sobre meu livro anterior, Féeries Anatomiques. Nesse livro, eu incitava à descristianização do
corpo, entre outras coisas, defendia a utilização da engenharia genética para realizarmos uma revolução na medicina graças à terapia genética. As reações foram violentas quando declarei meu ateísmo
radical e meu julgamento totalmente desfavorável em relação às religiões. Voltando para casa, meu correio eletrônico ficou abarrotado de mensagens agressivas, com ameaças, até mesmo uma de morte. Foi por isso que decidi ir mais longe, continuar a bater mais forte e fazer um livro inteiro dedicado à tarefa de mostrar a superioridade do ateísmo e sua necessidade para podermos avançar um pouco mais no terreno da bioética, mas também no terreno da ética e da política, entre outros.

CC: O senhor diz no livro que a Torá, texto sagrado do judaísmo, inventa a desigualdade ética, ontológica e metafísica das raças. O judaísmo é, na sua opinião, responsável pelo primeiro genocídio da
história, o do povo de Canaã. Não tem medo de ser acusado de anti-semitismo no contexto de "caça às bruxas", que se vê atualmente na sociedade francesa?
MO: Realmente, é um risco. Mas não se pode evitar a reflexão, não se pode recuar ou silenciar o que se pensa sob o pretexto de que alguns vão nos acusar de algo para desqualificar o trabalho que fizemos
livremente. O anti-semitismo é realmente uma acusação utilizada rapidamente para evitar a reflexão. Minha posição não é anti-semita, nem anti-sionista, nem antijudaica, ela é atéia e, como tal, em outros
trechos do livro eu poderia ser acusado de islamofobia. Essas palavras evitam e impedem o debate verdadeiro e necessário. Meu livro levanta teses, argumenta, faz demonstrações, dá exemplos. Não tenho o propósito nem de denegrir, nem de fazer um panfleto, nem de incitar ao ódio. Sou engajado, militante, e proponho claramente uma visão do mundo sem Deus.

CC: Seu livro compara o Islã ao fascismo, principalmente tal como é praticado no Irã, e diz que a revolução islâmica teria seduzido Foucault no seu início. O senhor afirma que a teocracia islâmica
instaura uma visão do mundo "não muito distante da de Hitler: sem direito, sem lei, sem inteligência, sem cérebro, mas com músculos, combate, guerra e sangue". O Islã não tem nenhum lado positivo?
MO: Sua pergunta passa da teocracia muçulmana islâmica, sobre a qual eu fiz esse comentário que você cita, ao Islã de uma maneira geral. Meu propósito não é fazer a defesa do Islã ou apontar o que ele tem de
positivo. Isso também é válido para o cristianismo. Quem quiser que faça o elogio dessas religiões, não será nos meus livros que farei. Não digo que o Islã não trouxe nada de positivo, faço uma reflexão
sobre o monoteísmo muçulmano mostrando que, como os outros dois monoteísmos, ele impede que se faça livremente uso da inteligência e da consciência, ao condenar o uso da razão e fazer o elogio da fé.

CC: Apesar de a morte de Deus ter sido decretada, o que se tem visto recentemente é o renascimento da fé e da religião. Como se explica isso?
MO: O desaparecimento do marxismo como ideologia que poderia resolver todos os problemas deixou um grande vazio. Ninguém mais acredita nas soluções políticas. O liberalismo que tomou conta do planeta e gera uma pobreza crescente dos mais pobres, ao mesmo tempo que gera o enriquecimento permanente dos mais ricos, produz angústia, medo, temor, sofrimentos e dores aqui na Terra. Temos o ressurgimento da ilusão que traz reconforto de um outro mundo que seria o oposto deste aqui debaixo: um mundo de paz, de serenidade, de alegria, de abundância, de amor entre os homens. Ora, a religião permanece sendo o que disse Marx, "o ópio do povo, o suspiro da criatura oprimida". Ela é uma ilusão que distancia as pessoas do único mundo que existe, o aqui e agora. Ela é um auxiliar dos poderes estabelecidos.

CC: Como se explica a misoginia do Islã e do judaísmo, que preconizam a lapidação dos adúlteros, homens e mulheres, mas na prática se voltam sobretudo contra as mulheres?
MO: As mulheres encarnam o desejo sem limites, e os homens temem não poder satisfazê-las. Aos olhos deles, o feminino das mulheres surge como uma reprovação potencial, desencadeia um processo de castração contra o qual os homens se rebelam. Eles não toleram as mulheres senão quando já mataram o que há de feminino nelas e as reduziram a seu status de esposa e mãe. Nesses dois estados, a sexualidade feminina deixa de ser perigosa: confinadas à casa, pertencentes a um macho, reduzidas a assegurar a educação das crianças no lar, com uma jornada dupla de trabalho, elas não têm mais tempo ou oportunidade de ter desejo imperioso. São essas angústias de castração sublimadas que geram a codificação religiosa. E o monoteísmo é insuperável no ódio ao que há de feminino na mulher e na celebração da virgem ou da esposa que gera filhos. [i]

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